O exemplo de meu pai

Costumo chegar em casa depois do trabalho por volta das 22h quase todas as noites. Chegar em casa tarde da noite e encontrar meu pai, já com mais de setenta e cinco anos, ainda lendo, é uma cena que sempre me atravessa com um misto de silêncio e reverência. Ele, que quando criança não teve oportunidade de estudar, carrega nos olhos cansados a chama de uma persistência rara: o desejo de aprender, de se alimentar de palavras, de nunca se render à ideia de que já é tarde demais para o conhecimento. 

 

            Enquanto muitos se entregariam ao sono ou à televisão, ele abre um livro, quase sempre a Bíblia, segura as páginas com firmeza e deixa que o mundo se revele ali, diante de si. Há algo profundamente simbólico nisso: como se o tempo, em vez de roubar, lhe tivesse devolvido, na maturidade, aquilo que lhe foi negado na infância.

 

            Admiro-o não apenas por essa devoção silenciosa à leitura, mas também pelo valor que ele dá ao que escrevo. Quando mostro um poema, um conto, ou um trecho de livro, vejo em seus olhos uma mistura de orgulho e curiosidade genuína. Ele me lê não como um crítico, mas como um incentivador, como alguém que acredita que as palavras podem erguer pontes entre gerações. 

 

            Meu pai me ensina, noite após noite, que o verdadeiro leitor não é aquele que acumula diplomas, mas aquele que carrega dentro de si a fome de compreender o mundo. E me ensina, também, que não há idade para aprender, sonhar, ou se encantar com o poder de uma história. Talvez seja por isso que, ao vê-lo assim, percebo que escrever, para mim, também é um ato de continuidade do que ele começou: um testemunho vivo de amor pelas palavras. 

 

Texto: Odair José, Poeta Cacerense

Postagem Anterior Próxima Postagem