Se partirmos da premissa teológica de que Deus criou todas as coisas boas e fez o ser humano à sua imagem e semelhança, então é inevitável concluir que cada pessoa carrega um valor intrínseco que não pode ser diminuído ou negociado. Essa dignidade não é fruto de convenções sociais, mas um dado ontológico: ser humano já é, por si, portar o reflexo do divino.
Curiosamente, a ciência moderna, ao desvendar a ancestralidade comum da humanidade, confirma em outro registro essa mesma intuição. Todos os povos, raças e culturas descendem de uma raiz compartilhada; não há fronteiras biológicas absolutas que justifiquem hierarquias, mas uma unidade fundamental. O fato de a genética e a evolução apontarem para a fraternidade universal apenas reforça, sob outro ângulo, aquilo que já era intuído pela fé: somos um só corpo, múltiplo em expressões, mas indivisível em essência.
As ideologias que, ao longo da história, tentaram justificar a escravidão, a exploração ou o aviltamento do próximo recorreram a construções falsas e perversas. A noção repulsiva de que certos seres humanos seriam "metade homens, metade animais" não apenas afronta a ciência, como trai a própria lógica da criação. Ninguém é menos humano do que outro; o que se fragmenta não é a natureza, mas a percepção distorcida de quem deseja dominar.
Assim, fé e razão convergem para uma conclusão filosófica e ética incontornável: toda forma de desumanização é uma negação da própria realidade. Ao recusar a igualdade essencial, nega-se não apenas o outro, mas também o fundamento último que sustenta a existência — seja ele compreendido como Deus, como razão universal ou como o simples fato biológico de uma origem comum.
A verdadeira sabedoria consiste em reconhecer que a diferença não nos afasta, mas enriquece; que a pluralidade não fere a unidade, mas a confirma. Desprezar o semelhante é, em última instância, desprezar a nós mesmos.
Opinião: Odair José, Poeta Cacerense

