O que estão compartilhando: que a Venezuela não pagou a dívida que tem com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) porque Jair Bolsonaro (PL) rompeu relações diplomáticas com o país e passou a mandar as cobranças para o autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, e não para Nicolás Maduro.
O Verifica investigou e concluiu que: não é bem assim. De fato, Bolsonaro rompeu relações diplomáticas com a Venezuela no início do mandato, em 2019. O país vizinho, no entanto, deixou de pagar as parcelas da dívida bilionária com o BNDES em janeiro de 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB), de acordo com documentos do próprio banco. Ou seja, não é correto atribuir o não pagamento da dívida apenas ao rompimento das relações diplomáticas, que só aconteceu em 2019.
Saiba mais:
A dívida da Venezuela com o BNDES não foi contraída diretamente pelo País. Ela decorre de um programa do BNDES de apoio à exportação de serviços brasileiros de engenharia para realização de obras no exterior. De acordo com as regras o programa, o BNDES desembolsava recursos em reais diretamente para a empreiteira brasileira responsável por fazer obras de infraestrutura em outras nações. O país onde a obra era feita, por sua vez, pagava o financiamento ao BNDES em parcelas, acrescidas de juros e em dólar.
No caso da Venezuela, os primeiros contratos datam de 1995, e o país pagou regularmente as parcelas por 23 anos. “O primeiro inadimplemento ocorreu em janeiro de 2018″, informou o BNDES. “Desde então, o país não vem honrando com as parcelas devidas”.
Ao longo dos anos, o programa de apoio à exportação de serviços de engenharia do banco brasileiro emprestou dinheiro para obras em 15 países da América Latina e da África. Destes, além da Venezuela, Cuba e Moçambique também deixaram de pagar as parcelas.
De acordo com dados do banco, o BNDES desembolsou com o programa US$ 10,4 bilhões, e recebeu de volta US$ 12,9 bilhões. Ainda há US$ 852 milhões a receber de parcelas que não venceram. Fora esses valores, existe cerca de US$ 1 bilhão entre parcelas atrasadas e outras que já foram cobertas pelo seguro, chamado de Fundo de Garantia à Exportação (FGE).
“Essas operações de crédito são cobertas pelo seguro de crédito à exportação com lastro no FGE, um instrumento de garantia da União por meio do qual, para cada operação de crédito, é pago um prêmio de seguro e, no caso de inadimplemento, o credor, público ou privado, deve ceder o crédito para o garantidor, que é a União”, explicou, em nota, o BNDES.
Dívida da Venezuela chega a R$ 6 bilhões
Segundo cálculos do governo federal brasileiro, a Venezuela tem dívida de cerca de US$ 1,2 bilhão – ou R$ 6 bilhões, incluindo os juros – em parcelas não pagas ao BNDES. A maior parte desse valor foi indenizado à União pelo FGE, que é quem passa a cobrar do país devedor. “A partir daí, deve ter início as tratativas entre os países para a recuperação do crédito”, disse o banco.
Em março deste ano, após uma visita a Nicolás Maduro em Caracas, na Venezuela, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, disse que a Venezuela afirmou estar disposta a ressarcir os cofres brasileiros pelo calote no BNDES.
Na última segunda-feira, 29, durante visita oficial de Nicolás Maduro ao Brasil, ficou acordada a formação de uma mesa de negociação para apurar os valores da dívida. Os diplomatas venezuelanos questionam a incidência de juros e argumentam que não havia como a Venezuela ter pago a dívida, nem discutido a situação, por conta do rompimento das relações diplomáticas entre os dois países por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019.
Em fevereiro deste ano, durante a posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também culpou o governo anterior pela inadimplência e disse que Bolsonaro cortou relações com a Venezuela e parou de cobrar a dívida, o que não é verdade.